Ma vie en rose

De frente, de lado, de costas. En France.


segunda-feira, outubro 30, 2006

Taches de rousseur

Ao encará-lo, notei as covinhas. Num impulso, pressionei-as com os dois dedos indicadores: "adoro covinhas". Ele não entendeu. "Em inglês, se diz dimples. Em espanhol, pequitas." Ele sorriu, acentuando os furinhos nas bochechas. Mas, diante da minha empolgação, envergonhou-se, baixou os olhos, tentou ficar sério, como quando se tenta controlar o riso. Em vão. Me aproximei mais do rosto dele. "E olha, aqui tem sardinhas!". Depois de eu explicar o que era, ele me deu a tradução: "taches de rousseur". Inebriada, me aproximei um pouco mais. Adoro sardinhas. Mais perto e mais perto e mais perto... Com os narizes quase encostados, descobri outras várias, muitas, milhares de pontinhos laranja espalhados pelo rosto. "Mas tu estás cheio delas!", me surpreendi, passando os olhos por debaixo dos olhos dele.
Notei o movimento das íris dele acompanhando o semi-círculo das minhas: de um lado a outro. Quando levantei o olhar, fisgou-me. Paralisei por horas, dias, semanas. E anos, décadas e séculos presa ao marrom claro rodeado por um discreto limite castanho-escuro.
Com um novo sorriso, ele desfez a hipnose, me trouxe de volta à minha costumeira irrealidade. "Olha, as covinhas! Como se diz mesmo, em francês?"

"I saw the world thrashing all around your face
Never really knowing it was always mesh and lace"
(I'll Melt With You – Nouvelle Vague)

quinta-feira, outubro 26, 2006

Nem Lynch explica

Uma nuvem de fumaça pairou sobre o campo e tudo foi sumindo, sumindo... Quando dei por mim, estava perdida no meio de um nevoeiro, sem enxergar nada. Ouvi gritos esganiçados, olhei para os lados, para cima, mas não identifiquei de onde vinham. Até que, próximos às minhas pernas, um casal de patos caminhava tão desorientado quanto eu. Pensei em gritar como eles, mas só conseguia girar, girar, de braços abertos. Fechei os olhos e senti a intensidade das brotoejas explodirem na pele – resultado do calor misturado ao excesso de fumaça. Uma leve tontura ocasionada pelo cheiro forte de fogo me fez fechar os olhos ao provocar uma ardência aguda, enquanto uma criatura me puxava pelo braço.
- Me llamo Martínez. Y tu?
- Jo... Danieja.
Ele me abraçou de lado, torceu o meu corpo e apontou para frente.
- Allá. Una foto, Danieja!
Click!
- Gracias – me beijou a bochecha.
"Jo preciso fugir a lo banero. Donde es la puerra del banero?" – pensava e tentava localizar com os olhos semi-cerrados uma portinha para outra dimensão, enquanto o tucumano permanecia na minha frente, trancando minha passagem.
- Danieja, verdad?

Fogo, fumaça, Triunfo, suspiros, brotoejas, patos, Martinez, click, beijo, banero. Era para ser só uma cobertura de um treinamento de combate à incêndio com funcionários argentinos, no interior da cidade de Triunfo, às 6h30 da manhã. Só. E a Rosana tendo uma crise de riso do outro lado da linha: "Guria, foge daí agora".

segunda-feira, outubro 23, 2006

I see you, you see me

Veja o vídeo:



Cante a música:
I never wanted to love you, but that's ok
I always knew that you'd leave me anyway
But darling when I see you, I see me

I asked the boys if they'd let me go out and play
They always said that you'd hurt me anyway
But darling when I see you, I see me

Its alright I never thought I'd fall in love again
Its alright I look to you as my only friend
Its alright I never thought that I could feel this something
Rising, rising in my veins
Looks like it's happened again

I never thought that you wanted for me to stay
So I left you with the girls that came your way
But darling when I see you, I see me
I often thought that you'd be better off left alone
Why throw a circle round a man with broken bones
But darling when I see you, I see me

Its alright I never thought I'd fall in love again
Its alright I look to you as my only friend
Its alright I never thought that I could feel this something
Rising, rising in my veins
Looks like it's happened again

You always looked like you had something else on your mind
But when I try to tell you, you'd tell me never mind
But darling when I see you, you see me

I wanna tell you that I'll never love anyone else
You wanna tell me that you're better off by yourself
But darling when I see you, you see me

This is not what I'm like
This is not what I do
This is not what I'm like
I think I'm falling for you

I never thought - This is not what I'm like
I never thought - This is not what I do
I never thought - This is not what I'm like
I never thought - I think I'm falling for you
I never thought
I never thought
That I could feel this something
Rising, rising in my veins

And it looks like
I feel this something
Rising, rising in my veins
Looks like it's happened again

(I see you, you see me - Magic Numbers)

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I see you, but I'm not sure you see me ): Posted by Picasa

domingo, outubro 22, 2006

Dancing shoes


 

1984: Ela parou na frente da vitrine de uma loja de sapatos e apontou para uma sandália vermelha. "Eu quero aquela" – disse para a mãe. Minutos depois a atendente voltou com a resposta negativa, só havia pares menores do calçado. Mas ela se esperneou e chorou e implorou. Acabou saindo da loja com a sandália duas numerações abaixo da sua. As tiras apertavam e machucavam o pezinho, mas, ainda assim, ela insistia em calçá-las. Quando a dor começou a se transformar em feridas, a mãe deu um jeito de sumir com as sandálias, inventando qualquer desculpa e substituindo com um presente para tentar fazê-la esquecer.

2006: Ela parou na frente da vitrine de uma loja de sapatos e avistou um sapato vermelho. "Eu quero este" – disse para a vendedora que vasculhou o estabelecimento inteiro antes de voltar com a resposta negativa. Só tinham número 34, dois abaixo da numeração do seu pé. Foi embora chateada e passou o resto da semana pensando no calçado: chegou a sonhar com ele. Cinco dias depois, voltou à loja e levou os sapatos vermelhos, que até entram no pé, com muito esforço. O problema todo é que há algum tempo ela já não mora mais com a mãe...

"Get on your dancing shoes
There's one thing on your mind
Hoping they’re looking for you
Sure you'll be rummaging' through"
(Dancing Shoes - Arctic Monkeys) Posted by Picasa

quarta-feira, outubro 18, 2006

Poema comentário

 

Eis o contradito ato perverso:
Ao clamar pelo frio, fez calor
escrevendo do desapego, amou;
um amor a si mesma (que adoro),
na intensidade que é recordar
e poder controlar todo o êxtase
que corrói.
Não querer sentir, penso eu,
é fugir; o egoísmo cogitado,
na solidão arraigado, é vão!
Quero então demonstrar em verso
que idealizar é algo que dói,
mas que vale a pena em cada ocasião
pois, ainda que cauteloso,
o amor constrói

(Kallil El Kadri)

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E era uma vez um comentário que virou post: um dos melhores (posts e comentários) em pouco mais de dois anos de Sweetness. Posted by Picasa

domingo, outubro 15, 2006

Escolha

Se eu pudesse escolher, optaria por não sentir. Seria bom sair por aí e conhecer pessoas descompromissadamente sem ter que agüentar as reclamações do meu coração no dia seguinte. Não recordar do que aconteceu, ou mesmo lembrar não dando a mínima importância, e diminuindo, automaticamente, o valor de um beijo, por exemplo. Teria dias mais tranqüilos se eu não repassasse todos os segundos destes momentos, se eu não fizesse questão de guardar mentalmente os contatos e escrevesse mensagens para jamais enviá-las (pensando em respostas que eu nunca obteria). Não teria que controlar as pernas bambas sempre que encontrasse alguém relacionado a estes acontecimentos e nem contar os segundos para, quando chega o fim do dia, eu possa ir embora e respirar aliviada.
Se eu pudesse escolher, optaria por voltar àquela noite e fazer tudo diferente, de forma que eu jamais tivesse te conhecido - tudo para que eu não precisasse te esquecer. De um jeito ou de outro, tu não recordarias de nada mesmo.

quarta-feira, outubro 11, 2006

A hora de ir

É, o Rafabal está indo embora. Quando ele me deu a notícia, na semana passada, não consegui esconder a decepção – o que só prova a minha teoria de que qualquer sentimento é puro egoísmo. Nem pensei no crescimento profissional dele, na ida para São Paulo, pela qual ele batalhou tanto, e na fuga de Porto Alegre – que está cada vez mais insuportável para ele, para mim e para grande parte das pessoas que conheço. Enfim, meu reflexo apontou para a falta que ele vai fazer e este coraçãozinho anda desesperado. Porque desde que nos conhecemos, quando entramos juntos na universidade, em 1999, ele tem sido, além de um dos meus escassos melhores amigos, um exemplo de pessoa e uma das poucas referências da minha vida. Sem falar nessas coincidências do destino que sempre nos leva pelos mesmos caminhos aos mesmos lugares.
E eu sei que quando ele ler este post, vai achar tudo pura pieguice, vai me xingar de pisciana, de melodramática, de depressiva – e ele tem sempre razão mesmo, não posso negar, porque, além de tudo, é a criatura mais verdadeira que eu já conheci. E reúne outras milhões de qualidades que me faz ultrapassar a barreira da amizade e me transformar em uma daquelas tietes sem noção que passa horas na fila de um show para ser esmagada pelo público no alambrado e morrer segurando uma faixa escrito "Rafa, eu te amo".
E eu só queria mesmo deixar público que eu sei que deveria estar muito feliz (como eu sempre estive, por todas as conquistas dele) e estou me esforçando para sentir e demonstrar isso. Embora este sentimento de abandono seja inevitável. E dói.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Manhã de outubro

Ele me acordou de manhã bem cedo, me vestiu, penteou desajeitadamente o meu cabelo, me calçou os tênis. Me fez uma comida muito apimentada que eu não consegui engolir. Preocupado, me ofereceu chocolate e danoninho – mas naquele momento meu nervosismo não me permitia pensar em ingerir mais nada. "Vamos?" – pedi.
Dentro do fusca branco, o tempo pareceu uma eternidade até chegarmos ao hospital. Quando entramos no prédio de azulejos amarelos e frios, tive medo das imagens dos santos penduradas, e apertei forte a mão dele. Ele também suava, apesar da manhã gelada de primavera. Paramos em frente a uma janela enorme de vidro de onde saía uma luz amarela. Me apoiei no parapeito, fiquei na ponta dos pés. Uma mulher de touca branca com a boca e o nariz tapados por uma máscara me perguntou: "Quer ver?". Fiz que sim com a cabeça.
Então ele me ergueu pelos braços e, simultaneamente, do outro lado da janela, a mulher levantou uma criaturinha rosada, murcha, com os olhos escuros e o rosto muito redondo. E, antes que eu pudesse expressar qualquer emoção, ele sorriu para mim.
Neste momento, tive uma vontade imensa de rir, chorar, gritar, me espernear e exprimir todo o sentimento que borbulhava pelo meu corpo. Mas preferi me acalmar ficar bem quietinha, aproveitando o máximo daquela imagem inédita. E retribuí o sorriso, com a certeza absoluta de que ele sabia do que tudo aquilo se tratava.

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Vinte e dois anos depois, eu me lembro de todos estes detalhes, como se aquele dia 9 de outubro de 1984 tivesse acontecido ainda hoje pela manhã. Apesar de suas poucas horas de vida, eu tenho certeza de que meu irmão também não se esqueceu de nada. Porque esse foi nosso primeiro segredo.

domingo, outubro 08, 2006

Dance with me

 

"Come on little stranger/
There's only one last dance/
Soon the music's over/
Let's give it one more chance/
Won't you dance with me/
In my world of fantasy"
(Dance with me - Nouvelle Vague) Posted by Picasa

quinta-feira, outubro 05, 2006

Sóror Dany

Entrei na salinha da recepção do RH do Hospital Mãe de Deus e cumprimentei os dois
moçoilos sentados. Me acomodei e fiquei esperando que a fonte me chamasse para a entrevista. Bem distraída, pensando na vida, com "I’ll stop the world to melt with you", do Nouvelle Vague na cabeça, um deles me faz uma pergunta tão absurda que resolvo confirmar com um sonoro "Como é que é?". E a criatura repete:
- Tu que és a Irmã Celsa?
Eu, cabelos vermelhos; eu, dois piercings na cara; eu, tic-tac colorido; e pior de tudo: vestindo uma camiseta com uma diaba enorme estampada!!! Claro que não perdi a oportunidade de, em meio a uma crise de riso, perguntar para o indivíduo se ele realmente achava que eu tinha cara de freira. “Nunca se sabe”, ele respondeu, bem normalmente.
Então eu tratei de ficar ali, bem comportadinha, esperando que me atendessem, de hábito branco e crucifixo no peito, rezando o terço no meu rosário por todas as almas sem-noção deste mundo.

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O episódio me rendeu, no trabalho, o apelido de Sóror Dany.