Ma vie en rose

De frente, de lado, de costas. En France.


segunda-feira, maio 22, 2006

Na padaria

Oito horas da noite, volta do trabalho, entro na padaria lotada com o pressentimento de não conseguir mais nenhum pãozinho vivo. Do outro lado do balcão, um homem de cabelos brancos e óculos, com os seus 60, 65 anos, vem me atender.

- O senhor ainda tem cacetinho? - pergunto, distraída.

E um silêncio constrangedor paira. Todas as pessoas se voltam para mim. Cochichos e risinhos. Enquanto isso, surge um princípio de sorriso irônico por debaixo do bigode do velhinho. Tento, em vão, manter a normalidade, não parecer uma tarada, pervertida, sem-vergonha. Olho para os lados, mexo na bolsa, coloco os cabelos para trás da orelha, mas o senhor segue parado na minha frente:

- Ainda tenho sim.

Que bom que ele não precisou conferir.

quarta-feira, maio 17, 2006

Três meses

O que mais me perturba em relação à morte é a sensação de impotência em relação à ela. Não há nada que possamos fazer contra, nem a favor. Tudo o que posso concluir é que é uma situação definitiva, sem volta, sem a menor ou qualquer chance de. Também não há a mínima previsão para ela. Posso morrer agora, nesse exato momento de sei lá o quê e sei lá como. Ou não.

Meu avô era diabético, sofreu vários infartos e passou a vida na folia, não dando a mínima para as doenças e para a velhice, se enchendo de comida e bebida quando bem entendia, varando as madrugadas nos bailões do interior de Santa Catarina. Morreu quase aos 80, quando ele mesmo já reclamava da ausência dos amigos e já não sabia mais o que fazer da vida. Meu tio, filho desse mesmo avô, morreu em um acidente de carro ridículo, fulminante, com menos de quarenta anos, com dois filhos adolescentes para criar, uma esposa jovem, uma grande oportunidade de emprego recém-aceita, e uma vida inteira que deveria ter pela frente.

Hoje faz três meses que meu pai faleceu de um câncer diagnosticado algumas semanas antes de sua morte, um mês depois de uma bateria de exames de rotina que apontaram que tudo estava bem. Nem ele mesmo teve tempo de ficar sabendo o que acontecia. E, antes que até os médicos pudessem prever, ele morreu. Tudo isso me parece assustador, aterrorizante. Acordo todos os dias ainda me perguntando se tudo isso é verdade. Então, perdoem-me se vocês forem vítimas dos meus escândalos, das minhas preocupações extremas, se ligo para meio mundo para saber se a minha prima de São Paulo conseguiu chegar em casa, ou se perturbo os amigos do meu irmão no MSN porque cheguei pela manhã e não o encontrei online, ou se um simples telefonema não atendido se transforme em uma catástrofe...

Logo no começo, me disseram que ia passar, que a gente se acostuma com a dor. Não é verdade. Para mim, todo o sofrimento, todo o choro e o vazio enorme se transformaram em noites de insônia, em pensamentos sufocados, em lembranças doloridas, em intermináveis conversas silenciosas que se repetem e se repetem e se repetem a todo momento e a qualquer instante: puro desespero. A questão toda é que cada vez mais tenho a certeza de que não vou aprender a conviver com isso.

quinta-feira, maio 11, 2006

And so it is

De volta a Porto Alegre, ao meu apezinho de fundo, à rotina que eu tanto pedi. Eu já estava com muitas saudades. Esse sentimento aumentou quando a conta ficou no vermelho. Definitivamente, eu precisava trabalhar. Porque as obrigações morais não custam tão caro quanto as financeiras. Então comprei camisas, alisei as madeixas, e aboli o Adidas e o piercing da sobrancelha durante o horário comercial. E não estou reclamando, nem ironizando, bem pelo contrário, estou tranqüilíssima. Aliás, ando encarando até a solidão – que antes era um sentimento desesperador – com certa serenidade. Passei um final de semana inteiro all by myself e na boa.
Dizem que depois da tempestade sempre vem a calmaria...

"Se eu falar bem alto todos vão me escutar?
E se eu cantar baixinho?"
(Até o dia em que seremos felizes - Ludov)