Ma vie en rose

De frente, de lado, de costas. En France.


domingo, julho 01, 2007

Porte-cochère

Acordar todos os dias em cima do horário e ter que correr contra o tempo para conseguir pegar o último ônibus que faz o trajeto em tempo hábil suficiente para que eu esteja às 8h30 no trabalho: T7.

A rotina criou uma noção estranha da realidade: viver os mesmos dias, mas sabendo-os diferentes. Porque, nos mesmos horários, encontro as mesmas pessoas: a moça ruiva que puxa uma garotinha pelo braço (que arrasta uma mochila rosa enorme pelas calçadas), um senhor que passeia com um cachorro vira-latas peralta com quem ele fica ralhando, outro velhinho que carrega uma cocker spaniel mimada no colo, uma senhora negra deficiente física que caminha com dificuldade, mas nunca deixa de me sorrir e... o motorista do T7.

No começo, eu me sentia desconfortável porque ele sempre tinha a cara fechada quando eu entrava e nunca respondia ao meu esforçado bom dia. Mas uma relação esquisita se estabeleceu no momento em que a criatura começou a me esperar para seguir sua viagem. Todos os dias. A verdade é que nem sempre meu tempo é bem calculado e várias vezes, quando o T7 chega na parada, eu ainda estou do outro lado da rua.

Como se não bastasse, na semana passada, um acontecimento me surpreendeu ainda mais. Eu já havia desistido mesmo de lutar contra o relógio e vinha bem tranqüila descendo a João Telles. O ônibus estava estacionado quando eu cheguei na esquina e ele me enxergou. Com todo o movimento desta hora da manhã, e com uma pista de carros tresloucados na minha frente, e outra de ônibus mais enlouquecidos ainda, era impossível que eu conseguisse alcançá-lo a tempo. Mas o ônibus ficou ali, parado. Eu já cogitava a possibilidade de que ele houvesse quebrado, até que, pela janelinha, o motorista metaleiro me olhava com a cara fechada de sempre. Com a cabeça, fez um gesto para que eu me apressasse. E eu saí correndo, desesperada, por entre carros e ônibus. Demorei muito tempo para chegar e uma fila imensa de ônibus se acumularam atrás do T7. Ao entrar, outra surpresa. Com a mesma expressão mal-humorada de sempre, os olhos me fuzilando, ele abriu a boca, e eu achei que fosse disparar o pior dos xingamentos. Mas ele respondeu ao meu bom dia.


(Aviso: qualquer comentário maldoso sobre o interesse sexual do motorista por mim e/ou vice-versa, será deletado)