Lost in translation - parte 2
Eu entro na sala de aula e todos estão sentados, completamente em silêncio e concentrados em seus testes. A professora me olha torcendo o nariz e aponta para o relógio, insinuando que algo estava errado. Ao me aproximar dela, ela sussurra, daquela maneira nem um pouco discreta, a fim de todos ouçam que ela está me repreendendo, mas "sem querer" chamar a atenção de ninguém. Ahan. E lá vou eu decifrar o mistério:
- Mas a prova não começou agora, às 14h?
- Não, começou às 13h30.
- Então, houve mudança no horário da aula?
- Pas de tout. Essa aula SEMPRE começou às 13h30.
- Mas eu sempre cheguei às 14h.
- Sim, tu sempre chegas atrasada.
- Mas, mas...
- E tens os trinta minutos restantes para fazer a prova.
- Ah, d'accord.
A parte nem tão divertida de ser um estrangeiro é ter a constante sensação de que a gente vive em uma bolha e que estamos sempre hermeticamente separados do mundo lá fora. E embora a gente faça parte desse universo, esse universo não faz parte completamente da gente. Esse ser e estar parcialmente nos faz passar por momentos cegos, surdos e mudos, surreais, oníricos, e tudo mais que possa representar essa atmosfera Lynchniana. Porque é assim que eu me sinto: "Mulholland Dr.".
Porexemplo: faz um mês que freqüento esse curso e não teve uma vivalma que me dissesse que a cadeira de Lexique começa às 13h30, sendo que todas as outras aulas da tarde, durante o resto da semana, começam meia hora depois. Admito que sempre me senti um tanto estranha ao chegar à faculdade e sem encontrar colegas nem no tramway, nem no hall de entrada, nem nos corredores e, ao abrir a porta da sala de aula, receber alguns olhares reprovadores, escutar risinhos, e algum colega sempre me olhar com uma cara de masoquehouve e me perguntar "ça va, Daniellá?", como se algo de anormal estivesse acontecendo. E estava, mas como diabos eu ia saber?!
A parte irritante de ser um estrangeiro é que não vai adiantar eu explicar pra professora que eu pensava que blá blá blá blá porque eu já sou a brasileira sem pontualidade e cara de pau que sempre está atrasada nas aulas de Lexique e que ainda tem o despeito de chegar no meio de uma prova, atrapalhar os colegas e de inventar qualquer mentirazinhainha. Ffffffffff!
A parte mais revoltante ainda de ser estrangeiro é, depois de sair arrasada da prova, consolidando a fama de irresponsável, desdenhosa e mentirosa (porque brasileiro só se importa mesmo com Carnaval, futebol, cerveja e pornografias) é ter que observar uma criatura breguíssima hip-hop/rap/boné virado/calça caída/cueca aparecendo/corrente dourada (arg, odeio dourado!) atravessar uma praça inteira com o único intuito de me xingar de "thon"* sem que eu encontrasse rapidamente um impropério bem terrível, em uma língua que não é a minha, pra responder ao desaforado. Ahpoisé, mas isso a minha aula de Lexique não ensina e eu não sei dizer vaitomanocu em francês.
* thon= tradução literal, atum; sentido dispensável: mulher feia, baranga, fubanga, mocréia, tribufu, canhão.
7 Comments:
At 2:40 PM, Unknown said…
em primeiro: eu não parava de rir com a troca de "entendimento" provocado pelo som das palavras próximas! eu te entendo, pois tenho ouvido péssimo (pode acreditar, já passei por situações muito piores!)
segundo: quando eu estiver aí, da próxima vez que passar um "medalão dourado", tu segura e eu bato!!! hehehehehehehehehe!
At 3:36 PM, Christophe Marchal said…
Ah, coitada .... é complicado esse tipo de situaçao ... para o vaitomarnocu, tenho certeza que o Flo pode enriquescer o teu vocabulario ;-) ... a ultima linha do teu post foi como um curso de Lexical em portugues para mim :p
Accroche-toi como se disse em frances, tenho certeza que nao vai acontecer de novo. A proxima vez tu vais te ligar mais cedo que tem um problema ;-)
Beijos et bonne chance pour tes partiels !
At 4:05 PM, RodOgrO said…
Ai, Dani, que mega malz! Mas você é mto desligada também, né, guria? Um mês chegando e a aula já começada e vc não se tocar... só vc msm... hahahah
Agora, esse tosco hiphop aí deve ter sérios problemas de visão. Tu bem sabes que és linda, morena, nem preciso dizer, né? Tu est très belle, mon cherie! Tu est magnifique, et sexy! Je t'aime! (o "Flo" não vai ficar bravo comigo e querer me bater por dizer essas coisas, né? Ah, que se dane! Ele é francês, fala fazendo biquinho... eu dou conta!) ;)
Tá, eu sei que vc não precisa desse confete todo e é toda forte e independente e etc, mas elogio nunca é demais, né? Principalmente sendo sincero! (e vc sabe que eu sou dolorosamente sincero... rs)
At 1:53 PM, Monica said…
Bah, guria. Me identifiquei muito. Eu já entendi muita coisa errada por aqui (isso que eles falam português também). Às vezes eu fico pensando em quantas coisas eu acho que são assim e não são na verdade... quantos mal entendidos... mas também, como dizem os portugueses: "foda-se, pá"!
Beijo
At 5:59 PM, Anônimo said…
ficar procurando esculturas fálicas na neve dá nisso
At 10:52 AM, Silvinha said…
Olà Daniella! (sim, meu teclado tb é francês...)
Adorei conhecer seu blog! Vivi em Paris por 7 meses e ainda viajo freqüentemente p/ là, e suas impressões de Grenoble me pareceram tão melhores!!! Bem, como os pròprios franceses falam, o problema da França é Paris...
Um xingamento equivalente ao que você procura é o "vas te foutre"! E, para homens, con, connard, para as mulheres, salope.
Boa semana p/ vc!
X)
At 1:01 PM, Clara Gomes said…
Salut, Daniella!
Adorei seu blog. E, por coincidência estou no segundo mês da aula de francês... Tô achando mega-difícil, mas tudo soa bonito mesmo, no início, como você bem disse!
Viu que tem uma tirinha dos Bichinhos em francês?
Beijo grande pra vc!
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